terça-feira, 12 de julho de 2011

A cor do invisível, uma visão quintaneana


A COR DO INVISÍVEL é um dos livros de poemas de Mario Quintana publicados em 1989. Nesta época já era perceptível a escolha do Mario pelo estilo de poesia livre, e este livro bem mostra a ausência de rimas, métrica e estrutura estabelecida de versos. Há poesias que apenas possuem titulo e uma linha de texto, o que aliais é mais comum a este escritor gaucho do que se imagina. A alegria, o humor e a versificação de uma realidade que se mostra apenas a ele caracterizam este livro como toda a obra do escritor.

Não pretendo me limitar a relacionar o titulo do livro ao conteúdo, embora esta relação seja deveras importante para a compreensão de toda a obra. Minha abordagem também abrangerá a análise isolada de poemas presente no livro. Devo alertá-los de que a escolha dos poemas será pautada no gosto pessoal da resenhista e que a análise em muito banha-se no interpretar de Carpinejar, prefacionista da edição publicada em 2006 pela editora Globo.

Quando tentamos enxergar a cor do invisível, nos deparamos com alguns obstáculos: como seria esta cor? posso enxergá-la? Pois é exatamente nesta problemática que o Quintana embarca, e a cor do invisível é uma representação do que ele pretende nestas 120 paginas.

O livro busca mostrar ao leitor que as coisas podem não ser daquele jeito que este está vendo, podem ser mais, ou menos a depender da situação. O livro mostra uma outra realidade em muito diferente daquela que se mostra aparentemente:

E deixa-me dizer-te em segredo

um dos grandes segredos do mundo:

-Essas coisas que parece

não terem beleza

nenhuma

-é simplesmente porque

não houve nunca quem lhes desse ao menos

um segundo

olhar! (p. 33)

Assim percebe-se que a dialética entre visível e invisível é o que importa neste livro. A palavra invisível não se refere ao que não existe, mas ao que não é visto embora exista. Para interpretar o Mario é necessário utilizar-se de um olhar infantil, porque seus questionamentos buscam nas interrogações de criança fundamento de existência. Se as coisas visíveis possuem cor, as coisas invisíveis possuem cor também? Ou apenas utilizam-se de cores emprestadas das coisas visíveis? Este é um questionamento infantil, mas é justamente esta pergunta que o autor gaúcho procura responder em A COR DO INVISÍVEL. Mas é preciso considerar que o objeto de analise de Quintana é a cultura (sentido lato relacionado às manifestações humanas de toda sorte). Não há uma busca principal de essência, há apenas um olhar sobre as manifestações cotidianas, ora de um observador distante apenas, ora de um personagem. Mas não há de se negar que este observar não dispensa os sentimentos daquele que escreve.

O próprio titulo já mostra que para o autor o invisível dispensa o visível para que possua existência, o invisível possui cor! O que parece contraditório( cor e invisível) mostra apenas que o que parece determinado não possui relevância na escrita de Mario Quintana. Neste livro o que parece, muitas vezes apenas parece:

O que mata um jardim não é mesmo

alguma ausência

nem o abandono...

O que mata um jardim é esse olhar vazio

de quem por eles passa indiferente. (p. 31)

O livro é composto de 120 poemas, e, devido ao limitado espaço, foram escolhidos apenas três para serem analisados nesta resenha. Assim, os poemas escolhidos são: Dedicatória (p. 42); Quem ama inventa (p. 58) e Claro enigma (118).

Dedicatória

Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?

Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?

Eu escrevo para a Maria de Todo o Dia.

Eu escrevo para o João Cara de Pão.

Para você, que está com este jornal na mão...

E de súbito descobre que a única novidade é a poesia,

O resto não passa de crônica policial – social – política.

E os jornais sempre proclamam que “a situação é crítica”!

Mas eu escrevo é para o João e a Maria.

Que quase sempre estão em situação crítica!

E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão nosso de cada dia.

E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão.

Este poema, claramente dispensa comentários e interpretações. Se o leitor desconhecia a profissão de colunista de jornal de Quintana, pode ‘descobrir’ facilmente após ler esse poema, porque a escrita do Mario não é daquelas que esconde do leitor a intenção do poeta, não sendo de maneira nenhuma uma leitura difícil. O que bem se encontra por ai são colunistas de jornal que esquecem-se de que muitos dos seus leitores não costumam dar-se a tarefa de analisar o que lêem e interpretar além das linhas no papel. Mas o Quintana é daqueles geniais que falam com o leitor letrado, semi-letrado, erudito, ou leitor funcional como se estivessem tomando uma cervejinha na sala de visitas assistindo a uma partida de futebol.

Sendo assim, não há múltiplas interpretações nestes versos, entretanto há critica, como quase sempre nos poemas quintaneanos. Quem costuma ler jornais, percebe que dia após dia, as noticias são sempre as mesmas, muda-se apenas as personagens das histórias. Seja a pagina policial, as noticias sobre política, ou sobre entretenimento, há um padrão estabelecido, há uma realidade social, discriminatória e econômica que fazem com que as vitimas e os culpados sejam sempre os mesmos, que as injustiças e negligencias estabeleçam-se como regra. E tudo isso é transformado em texto e passado a população pelos jornais. Mas a poesia, a verdadeira, a que não se vende a ideologias, acaba sendo a única que diverge desta ‘realidade’,e consequentemente é a única que verdadeiramente é feita sobre o povo, porque o relata. E Mario Quintana é isso, pintor das faces comuns gauchas e brasileiras.

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...

Talvez chegaste quando eu te sonhava.

Então de súbito acendeu-se a chama!

Era a brasa dormida que acordava...

E era um revôo sobre a ruinaria,

No ar atônito bimbalhavam sinos,

Tangidos por uns anjos peregrinos

Cujo dom é fazer ressurreições...

Um ritmo divino? Oh! Simplesmente

O palpitar de nossos corações

Batendo juntos e festivamente,

Ou sozinhos, num ritmo tristonho...

Ó! meu pobre, meu grande amor distante,

Nem sabes tu o bem que faz à gente

Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

Este poema foi selecionado por dois motivos. O primeiro é a intenção de mostrar que ao mesmo tempo em que o Quintana utiliza a poesia para fazer críticas (tendo o poema anterior como exemplo), também a utiliza para demonstrar sentimentos. E o segundo motivo é mostrar que o Mario com o passar do tempo tornou-se versátil, visto que o poema acima parece guardar um pouco da sua fase inicial de escrita (como em A rua dos cataventos) onde as rimas são utilizadas criando uma sonoridade no poema, enquanto outros poemas mostram-se livres de rimas.

Claro enigma

... negras flores que se abrem sob a chuva...

O primeiro detalhe (obvio até!) a ser percebido é a contradição entre claro e enigma, o titulo do poema foi pego emprestado de Drummond e a interpretação está intrinsecamente ligada ao livro deste. Este é um dos típicos poemas de uma linha que fazem do Mario um grande sintetizador. Por experiência própria posso dizer que é muito difícil conseguir expressar em tão poucas palavras o que se deseja dizer. Ao colocar palavras que se contradizem no titulo do poema ele consegue chamar toda a atenção para um texto que aparentemente não atrairia o olhar das pessoas por ter uma frase sem sentido. Entretanto, ao se analisar minuciosamente todo o conjunto é possível perceber o que fora pretendido. São poucos os textos em que Mario Quintana esconde uma intenção, e este é um dos tais.

Quando se pensa em uma flor negra, pensa-se em uma flor morta. E é justamente a morte que esta sendo representada nesta metáfora. O livro do Drummond que inspirou este texto, procura mostrar o caminho que o homem percorre ao encontro da morte. Assim, a morte que para muitos (ou todos) é um enigma é visto como claro, como algo que está sendo mostrado, mas mesmo visível ainda é misterioso. E a morte é justamente isso, algo que todos presenciam a todo momento mas continuam a não entender, ou como diria Quintana ‘se abre sob a chuva’.

E para terminar, recito esperançosa estes versos:

Rezas de infância, tão puras...

Um dia a gente as esquece!

Mas o bom Deus, das alturas,

Ainda escuta a nossa prece... p.49

Tomara, Quintana, que ainda ressoem pelos céus... tomara!


Paula Carine

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A resenha demorou muito para sair. Mas esta que vos escreve tem boas desculpas. Elas ultrapassam a desculpa das atividades acadêmicas! Tive alguns problemas com meu computador, ele continua problemático, mas deu para recuperar a resenha que está pronta a umas duas semanas. Deixo marcado, provavelmente para o meio da proxima semana, uma resenha sobre um livro que li recentemente e impressionei-me muito: PERSUASÃO da Jane Austen.